Naquele dia não tinha acontecido nada demais. Ele tinha levantado às sete, como sempre. Às oito, estava no trabalho. Saiu pra almoçar a mesma comida de todo dia, no restaurante da esquina, ao meio dia. deixou o trabalho às 17 horas, mas antes humilhou o porteiro do escritório pra não perder o costume.
O trânsito o deixou louco, como sempre acontecia. Chegou cansado em casa, como era de costume.
Os filhos implorando pela atenção que ele só iria dar no final de semana, o cachorro que nunca viu um só sorriso do dono insistindo pra brincar, a esposa perguntando "como foi seu dia?" e ouvindo como resposta um"bem" tão vago quanto o que teria dito a um completo desconhecido que ousasse se intrometer em coisas tão importantes de sua vida.
Foi dormir às 11 horas, como sempre fazia, sem saber do que poderia estar lhe esperando.
Em sua vida vazia, ouviu o despertador na manhã seguinte, mas não compreendeu o real motivo de acordar sozinho na cama, nem de não ter os filhos à mesa do café, nem de não ver o pobre cão mendigando carinho enquanto mastigava as duas torradas costumeiras de sempre.
Continuou a rotina sem nem se perguntar onde estavam todos. Não se questionava nem se eles existiram de fato algum dia, ou se havia sido um sonho estranho.
Passou a costurar as próprias cuecas, e a comprar camisas decentes, sempre que era preciso. Ele dava as ordens à diarista que nunca teve coragem pra tocar no assunto da família.
Levantava, dia após dia... deitava dia após dia, por anos a fio... até o dia do enfarto. Morreu sem deixar lágrimas... não foi nada demais.
Quem sou eu
- Queisse
- Mulher, mãe, psicopedagoga... tantas e uma só! Única, como todas nós. A educação é paixão e auxiliar famílias nessa jornada sempre foi um prazer.
quarta-feira, 25 de março de 2009
Interessante
Interessante é aquilo que nos chama a atenção... e Navidalha já tinha se esquecido disso.
Ela estava há dez anos casada com ele, Rolímpio: o marido exemplar (que tinha uma amante a cada verão, mas nunca deixava de cuidar das coisas). A história entre eles começou numa noite diferente, em que ela era o centro das atenções, justamente por que era diferente de tudo, era diferente do mundo...
O tempo passou e tudo ficou tão igual a tudo, as rugas, a força da gravidade, a intenção da vida já era tão outra que nem se encontrava mais no infinito de "prioridades" onde (agora) a pobre Navidalha tinha se metido.
Seu mundo girava em torno dele e dos filhos (quatro lindas crianças, três meninos e uma menina, que lhe tomavam todo o tempo com estrepolias) do almoço de hoje, da janta de mais tarde, da casa organizada, de tudo menos dela. Por isso nada que podia oferecer, nem a roupa lavada, nem a comida caprichada na mesa, nem o carinho antes do sono, nem o beijo de "bom dia" era interessante de fato...
Ela nunca se dera conta disso. Não era mais interessante...
Engraçado foi que no mesmo dia teve dois encontros com si mesma. O primeiro foi com uma amiga que lhe fizera lembrar de como era, de como tratava as coisas e pessoas, de como encarava o mundo... foi pra casa pensando em como havia mudado, mas fez questão de esquecer rápido. A experiência do dia lhe soou mais como um desabafo frustrado de uma encalhada que tentava jogar areia na sua vida perfeita do que uma verdade dura e crua.
Depois, quando já havia feito as crianças dormirem e de tudo pra apagar o que lhe haviam jogado na cara (tentando "fazer de conta" que nada acontecera e que sua rotina estava "nos eixos") ele lhe deu a bofetada fatal: ela se aproximou e deu um pitaco imbecil nas suas anotações do escritório... ele lhe perguntou, num tom um tanto áspero, se não havia nada de mais interessante a se fazer do que se meter nos assuntos de homem. Nada de mais a fezer... ela percebeu que não tinha mais vida própria, nem vontade própria, nem nada de próprio!!!
Pareceu uma grosseria, num primeiro momento... coitada, de tanto viver a vida alheia, ainda se ofendia quando lhe indagavam a respeito de sua própria existência. depois veio o tom de libetação: a partir daquele dia, ela voltaria a ser ela mesma, soberana e independente... i-n-t-e-r-e-s-s-a-n-t-e.
Não se sabe ao certo se ela conseguiu viver o seu casamento até o fim dos dias... mas que importa? O seu encontro consigo mesma fez dela uma mulher que ainda era fantástica, que ainda sabia ser, que não aceitava nada que a fizesse incomodada... Nossa... há quanto tempo já não se via no espelho frente a frente?
Encontros com os outros, ao acaso, são "lugar comum"... quando nos vemos a nós mesmos, verdadeiramente, é que vale a pena... isso sim dá história!
Ela estava há dez anos casada com ele, Rolímpio: o marido exemplar (que tinha uma amante a cada verão, mas nunca deixava de cuidar das coisas). A história entre eles começou numa noite diferente, em que ela era o centro das atenções, justamente por que era diferente de tudo, era diferente do mundo...
O tempo passou e tudo ficou tão igual a tudo, as rugas, a força da gravidade, a intenção da vida já era tão outra que nem se encontrava mais no infinito de "prioridades" onde (agora) a pobre Navidalha tinha se metido.
Seu mundo girava em torno dele e dos filhos (quatro lindas crianças, três meninos e uma menina, que lhe tomavam todo o tempo com estrepolias) do almoço de hoje, da janta de mais tarde, da casa organizada, de tudo menos dela. Por isso nada que podia oferecer, nem a roupa lavada, nem a comida caprichada na mesa, nem o carinho antes do sono, nem o beijo de "bom dia" era interessante de fato...
Ela nunca se dera conta disso. Não era mais interessante...
Engraçado foi que no mesmo dia teve dois encontros com si mesma. O primeiro foi com uma amiga que lhe fizera lembrar de como era, de como tratava as coisas e pessoas, de como encarava o mundo... foi pra casa pensando em como havia mudado, mas fez questão de esquecer rápido. A experiência do dia lhe soou mais como um desabafo frustrado de uma encalhada que tentava jogar areia na sua vida perfeita do que uma verdade dura e crua.
Depois, quando já havia feito as crianças dormirem e de tudo pra apagar o que lhe haviam jogado na cara (tentando "fazer de conta" que nada acontecera e que sua rotina estava "nos eixos") ele lhe deu a bofetada fatal: ela se aproximou e deu um pitaco imbecil nas suas anotações do escritório... ele lhe perguntou, num tom um tanto áspero, se não havia nada de mais interessante a se fazer do que se meter nos assuntos de homem. Nada de mais a fezer... ela percebeu que não tinha mais vida própria, nem vontade própria, nem nada de próprio!!!
Pareceu uma grosseria, num primeiro momento... coitada, de tanto viver a vida alheia, ainda se ofendia quando lhe indagavam a respeito de sua própria existência. depois veio o tom de libetação: a partir daquele dia, ela voltaria a ser ela mesma, soberana e independente... i-n-t-e-r-e-s-s-a-n-t-e.
Não se sabe ao certo se ela conseguiu viver o seu casamento até o fim dos dias... mas que importa? O seu encontro consigo mesma fez dela uma mulher que ainda era fantástica, que ainda sabia ser, que não aceitava nada que a fizesse incomodada... Nossa... há quanto tempo já não se via no espelho frente a frente?
Encontros com os outros, ao acaso, são "lugar comum"... quando nos vemos a nós mesmos, verdadeiramente, é que vale a pena... isso sim dá história!
Navegando
Ficava ali sentada até dez horas por dia. Sua atividade favorita era conversar em chats, buscava ampliar seus horizontes, conhecer gente nova e (quem sabe?) até se apaixonar... Mal arrumava a casa, comia muito pouco, não dormia quase nada... era só ali, em frente ao computador.
Sua vida andava um tanto parada desde que se formou na faculdade de Geografia, há cinco anos. Era professora de manhã, à tarde e três noites. Tímida e solitária, não saía aos fins de semana, não encontrava com amigos e nem fazia amizades na sala dos professores. Achava melhor manter certa distância, até pra não se envolver em fofocas de corredor... colégio é fogo!
Um dia entrou em uma "sala de bate papo" qualquer, com o nome de sua cidade. Logo puxaram assunto com ela, mulheres são disputadas a tapa e ela se divertia muito com isso.
Fantasma: Tc d onde?
Atena: Ponta Grossa, ué? rsrsrs
Fantasma: Podia ser de qualquer lugar :(
Atena: Brincadeira, bobo! E vc? Tc d onde?
Fantasma: PG, tmbm.
O papo ficou divertido, trocaram msn e passaram a se falar todos os dias. Como poderia haver alguém na cidade com tantas coisas em comum? Era a sua alma gêmea!!!
Marcaram um encontro um mês depois, ai que medo! Tantas histórias sobre raptos, violências, até roubo de órgãos!!!
Mas ela foi, se ajeitou com a melhor roupa e toda sua coragem e foi! O lugar escolhido era o bar mais badalado da cidade, pra ter mais movimento e diminuir os riscos.
Ela quase deu meia volta quando se deu conta de que todos os seus alunos do ensino médio também estariam lá, mas a curiosidade de conhecer o tal Fantasma acabou maior que qualquer outra coisa que pudesse sentir.
Chegou um pouco antes do combinado, estava ansiosa, pediu um Martini. Ele disse que traria uma rosa vermelha pra que ela pudesse reconhecer quem era. Não parava de olhar pra porta do bar.
No horário combinado ele entrou, com a rosa na mão e um sorriso no rosto. Ela se refez do susto, quase sem coragem, acenou. Ele disfarçou a surpresa e se aproximou. O assunto do colégio é o novo namoro da professora de Geografia com o professor de Matemática.
Sua vida andava um tanto parada desde que se formou na faculdade de Geografia, há cinco anos. Era professora de manhã, à tarde e três noites. Tímida e solitária, não saía aos fins de semana, não encontrava com amigos e nem fazia amizades na sala dos professores. Achava melhor manter certa distância, até pra não se envolver em fofocas de corredor... colégio é fogo!
Um dia entrou em uma "sala de bate papo" qualquer, com o nome de sua cidade. Logo puxaram assunto com ela, mulheres são disputadas a tapa e ela se divertia muito com isso.
Fantasma: Tc d onde?
Atena: Ponta Grossa, ué? rsrsrs
Fantasma: Podia ser de qualquer lugar :(
Atena: Brincadeira, bobo! E vc? Tc d onde?
Fantasma: PG, tmbm.
O papo ficou divertido, trocaram msn e passaram a se falar todos os dias. Como poderia haver alguém na cidade com tantas coisas em comum? Era a sua alma gêmea!!!
Marcaram um encontro um mês depois, ai que medo! Tantas histórias sobre raptos, violências, até roubo de órgãos!!!
Mas ela foi, se ajeitou com a melhor roupa e toda sua coragem e foi! O lugar escolhido era o bar mais badalado da cidade, pra ter mais movimento e diminuir os riscos.
Ela quase deu meia volta quando se deu conta de que todos os seus alunos do ensino médio também estariam lá, mas a curiosidade de conhecer o tal Fantasma acabou maior que qualquer outra coisa que pudesse sentir.
Chegou um pouco antes do combinado, estava ansiosa, pediu um Martini. Ele disse que traria uma rosa vermelha pra que ela pudesse reconhecer quem era. Não parava de olhar pra porta do bar.
No horário combinado ele entrou, com a rosa na mão e um sorriso no rosto. Ela se refez do susto, quase sem coragem, acenou. Ele disfarçou a surpresa e se aproximou. O assunto do colégio é o novo namoro da professora de Geografia com o professor de Matemática.
quinta-feira, 12 de março de 2009
Cerimônia.
Estava lá, bem ajeitado no altar, como deveria ser. "Como é bonito o Elcebíades", era o pensamento da maioria das pessoas que observavam o noivo, que a essa altura já apresentava todos os sinais de uma tensão avassaladora. "Calma, meu filho. Ficar nervoso é normal!", disse o pai de Nidrielly- o dono da fábrica e seu futuro sogro, necessariamente nessa ordem.
Normal? O quê é normal?? Quem é normal???
Vontade louca de sair dali, correndo, gritando... e quase foi, mas nisso entrou a noiva: a mais linda noiva de que se teve notícia em todas as épocas. os cabelos bem arranjados, o vestido, as flores... "como ela é linda! Como tudo está tão perfeito!".
É, Elcebíades casou. Na hora do "sim" ele ainda parou pra pensar pela última vez, exitou, mas não havia mais como fugir. Estava dada a satisfação à sociedade: agora ele era um senhor de respeito! Isso era ainda mais importante do que todo o dinheiro que teria depois dessa união...
Tudo era festa no caminho da saída da igreja, a euforia do arroz tomava conta dos noivos e foi nessa hora que Elcebíades pode ver o Crico e o Tudú, de terno e gravata, sorrindo para ele em meio aos convidados. Acenou com a mão e pensou "que me julguem, tenho meus motivos e já está feito". Em sua cabeça passou um filme com trilha sonora específica, muitas cervejas, madrugadas em claro, corpos de homens suados, plumas e gliter.
Os meninos não julgavam... só tentavam descobrir, cada um a seu modo, se quem sofreria mais seria a noiva que não conheceria nunca o amor do marido, ou o amigo que nunca conheceu como é o prazer de se amar de verdade.
Nidrielly percebeu e perguntou "quem são eles, amor?", ao que o marido respondeu que são amigos do passado. Já nem sabia quem era ele mesmo.
Normal? O quê é normal?? Quem é normal???
Vontade louca de sair dali, correndo, gritando... e quase foi, mas nisso entrou a noiva: a mais linda noiva de que se teve notícia em todas as épocas. os cabelos bem arranjados, o vestido, as flores... "como ela é linda! Como tudo está tão perfeito!".
É, Elcebíades casou. Na hora do "sim" ele ainda parou pra pensar pela última vez, exitou, mas não havia mais como fugir. Estava dada a satisfação à sociedade: agora ele era um senhor de respeito! Isso era ainda mais importante do que todo o dinheiro que teria depois dessa união...
Tudo era festa no caminho da saída da igreja, a euforia do arroz tomava conta dos noivos e foi nessa hora que Elcebíades pode ver o Crico e o Tudú, de terno e gravata, sorrindo para ele em meio aos convidados. Acenou com a mão e pensou "que me julguem, tenho meus motivos e já está feito". Em sua cabeça passou um filme com trilha sonora específica, muitas cervejas, madrugadas em claro, corpos de homens suados, plumas e gliter.
Os meninos não julgavam... só tentavam descobrir, cada um a seu modo, se quem sofreria mais seria a noiva que não conheceria nunca o amor do marido, ou o amigo que nunca conheceu como é o prazer de se amar de verdade.
Nidrielly percebeu e perguntou "quem são eles, amor?", ao que o marido respondeu que são amigos do passado. Já nem sabia quem era ele mesmo.
quarta-feira, 11 de março de 2009
A "das oito", de preferência!
Ela já acorda fingindo pra si mesma... finge que se preocupa em estar atrasada pro emprego de que ela não gosta... se pudesse, nunca mais pisava lá!
Chega e diz um "bom dia!" a todos os que encontra pelo caminho... que ironia... detesta essa gente e seus sorrisos tão falsos quanto nota de três Reais. Diz "bom dia" mecanicamente, como quem cumpre mais uma obrigação no ritual do curvamento diário.
O mês inteiro esperando o salário que nem dura uma semana, dinheiro virtual que ela só conhece no extrato do banco. O extrato, sim... no singular! Porque se tirar dois no mesmo mês, se ferra e tem que pagar um absurdo pelo trabalho que ninguém faz (vai me dizer que tem um carinha dentro da máquina digitando o texto explicativo dos seus gastos?). Tira o extrato e observa os valores que nunca segurou na mão e todos os débitos automáticos e compensações de cheques que levaram tudo o que tinha, ou que quase teve. Sorri e finge pra si mesma o contentamento de quem pagou as contas e mantém o nome limpo.
Finge que entende o problema insignificante de uma amiga, equanto mastiga o almoço no seu restaurante preferido. Finge o motivo da preferência: ela odeia a comida de lá, mas o preço...
Finge que não entende a cantada no corredor, que não foi com ela aquela bronca do supervisor, que a chefe é competente e que aquela fulana merecia a promoção... finge! O tempo todo!!!
Sempre que desabafa usa metáforas, nunca vai direto ao problema, tem medo de se expor, medo de magoar os outros e medo do ridículo que é se dizer o que vem à mente. Sempre diz tudo o que pensa na lata, só que nas entrelinhas... quase ninguém entende, mas todo mundo acaba compreendendo a seu jeito e interpretando a seu modo. Todos parecem achar que ela é sincera, que se expressa bem... mas ninguém, nem uma única vez, entendeu do que ela falava de fato.
O seu sonho era escrever novelas...
Chega e diz um "bom dia!" a todos os que encontra pelo caminho... que ironia... detesta essa gente e seus sorrisos tão falsos quanto nota de três Reais. Diz "bom dia" mecanicamente, como quem cumpre mais uma obrigação no ritual do curvamento diário.
O mês inteiro esperando o salário que nem dura uma semana, dinheiro virtual que ela só conhece no extrato do banco. O extrato, sim... no singular! Porque se tirar dois no mesmo mês, se ferra e tem que pagar um absurdo pelo trabalho que ninguém faz (vai me dizer que tem um carinha dentro da máquina digitando o texto explicativo dos seus gastos?). Tira o extrato e observa os valores que nunca segurou na mão e todos os débitos automáticos e compensações de cheques que levaram tudo o que tinha, ou que quase teve. Sorri e finge pra si mesma o contentamento de quem pagou as contas e mantém o nome limpo.
Finge que entende o problema insignificante de uma amiga, equanto mastiga o almoço no seu restaurante preferido. Finge o motivo da preferência: ela odeia a comida de lá, mas o preço...
Finge que não entende a cantada no corredor, que não foi com ela aquela bronca do supervisor, que a chefe é competente e que aquela fulana merecia a promoção... finge! O tempo todo!!!
Sempre que desabafa usa metáforas, nunca vai direto ao problema, tem medo de se expor, medo de magoar os outros e medo do ridículo que é se dizer o que vem à mente. Sempre diz tudo o que pensa na lata, só que nas entrelinhas... quase ninguém entende, mas todo mundo acaba compreendendo a seu jeito e interpretando a seu modo. Todos parecem achar que ela é sincera, que se expressa bem... mas ninguém, nem uma única vez, entendeu do que ela falava de fato.
O seu sonho era escrever novelas...
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